O que não vemos, mas sentimos (nos pulmões, nos corpos, na água)

Por Patricia Rodríguez, Defensora Internacional, especialista em Imagens de Gás Ópticas e Termografia Certificada, Earthworks

A apenas alguns meses da 30a Conferência das Nações Unidas sobre o Câmbio Climático em Belém, Brasil (novembro de 2025), este é o momento ideal para evidenciar os grandes problemas com a incessante publicidade em favor da expansão da indústria petroleira e de gás no Norte Fluminense, e também os planos da rápida da indústria em Macaé.

De acordo com o primeiro Boletim Informativo da Usina Termelétrica Marlim Azul (junho 2024), que foi compartilhado com membros de comunidades impactadas em Macaé em uma reunião de zoom (em dezembro de 2024), a Arke Energia tem aderido a um Programa de Monitoramento Contínuo de Emissões Atmosféricas. O Boletim contém a foto abaixo, acompanhada do seguinte texto:

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‘A fumaça branca expelida na chaminé da UTE é vapor d’água, resultado da utilização da água para os processos de produção de energia. E este vapor é seguro porque a UTE Marlim Azul produz energia via ciclo combinado: gás natural e água, altamente purificada, ou seja, sem poluentes ou qualquer componente que possa causar prejuízo à saúde e à segurança das pessoas.’ 

Porém, esta informação parece não estar completa, e possivelmente oculta outras consequências preocupantes à saúde e ao meio ambiente na região. Apesar da imagem acima ser tirada num momento onde realmente o que vemos são emissões de vapor, não podemos esquecer de esclarecer que em outras etapas da produção industrial de energia o que vemos através de uma câmara especializada em visualizar gases poluentes, são gases poluentes, como o metano e outros compostos orgânicos voláteis.

Em primeiro lugar, esta foto e descrição deixam de lado a realidade que a UTE Marlin Azul opera tanto com vapor quanto com gás fóssil da produção pré-sal da Shell dos seus campos offshore em Búzios. Tipicamente, o gás é usado como uma fonte de energia para ferver a água que gera vapor para girar as lâminas da turbina, para geração de eletricidade. Durante este processo, as emissões atmosféricas residuais são liberadas na forma de metano e outros compostos orgânicos voláteis pela mesma chaminé que na foto acima está soltando vapor.

Como podemos dizer isto com certeza?

Porque há tecnologias que ajudam a gente a visualizar justamente estes diferentes estágios da produção industrial que geram poluição.

Abaixo (e aqui) estão alguns exemplos, filmados em novembro de 2023 em Macaé, nos dias em que a UTE Marlin Azul entrou em operação pela primeira vez. Na foto digital, não se vê nada a olho nú, saindo das chaminés. No entanto, quando apontamos uma câmera especializada e calibrada para visibilizar metano e compostos orgânicos voláteis, o que vemos são estes gases que não se podem ver simplesmente com os olhos.

Usina Termeletrica Marlim Azul (Arke Energia), novembro de 2023

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Usina Termeletrica UTE Norte Fluminense, EDF (Électricité de France), novembro de 2023

Nestes casos, um especialista em trabalho de campo da organização não governamental (ONG) Earthworks, com sede nos Estados Unidos mas fazendo trabalho no mundo inteiro, opera uma câmera infravermelha de imagens de gás ópticas para ver se há emissões. A câmara FLIR GF320 usa uma tecnologia com sensores e um filtro espectral cientificamente aprovada por governos e agências oficiais como a EPA (Agência de Proteção Ambiental) nos Estados Unidos, que considera a câmera o melhor sistema para redução de emissões desde fontes de petróleo e gás. Ela é usada pela indústria no mundo inteiro, para monitorar emissões e pequenas fugas acidentais. Earthworks usa a câmara para o mesmo, mas também para chamar a atenção da comunidade e autoridades sobre dois outros que não se fala muito: a liberação intencional de grandes quantidades de gases (venting) e as queimas incompletas do gás residual que não é usado no processo de geração de energia. A queima eficiente (+98%) gera emissões de dióxido de carbono (CO2) que são menos daninhas que o metano num curto espaço de tempo- 20 anos. Porém, o metano é 80 vezes mais potente que o CO2, e é responsável por pelo menos ⅓ dos gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera global, comparado com a era pré-industrial. Muitas vezes, a chama pode estar desligada e/ou não estar queimando eficientemente, resultando em mais emissões de gases, não menos.

No caso das termelétricas no Norte Fluminense, emissões sem queima são um problema sério. Apesar de parecer algo rotineiro, isto geralmente não é muito discutido em público, especialmente em debates sobre políticas públicas para reduzir emissões. Durante eventos de combustão incompleta, os gases que não são queimados são simplesmente liberados à atmosfera. Nas imagens abaixo, vemos no vídeo à esquerda que a chaminé não estava emitindo vapor em tempo real, mas a câmera OGI documenta grandes emissões que não se vêem a simples vista. Depois de mudar para os displays a cores, o que o experto de trabalho de campo da Earthworks conseguiu ver e que as emissões provavelmente são resultado da combustão incompleta, como se pode ver ao comparar o padrão de cores com a escala de temperatura a direita da tela, que mostra as cores roxa e azul com mais baixas temperaturas a medida que os gases sem combustão são liberados a atmosfera. Com isso, as emissões que vemos através da câmara mas não a simples vista documentam poluição por gases de efeito estufa (principalmente o metano) e outros compostos orgânicos voláteis como o benzeno, que é comprovado ser cancerígeno.

Nos vídeos que podem ser vistos aqui, os leitores veem as vastas nuvens de emissão de gases liberada ao ar e que certamente adiciona aos efeitos de esquentamento da atmosfera temperatura local e global, assim como causa efeitos negativos nos sistemas respiratórios e cardiovasculares das pessoas e também adiciona poluição a água. A água (que provém do Rio Macaé) usada nas usinas pode ser purificada ao entrar no processo de geração de energia (como a companhia diz), mas não há nenhuma indicação de que depois deste processo a água residual também é purificada de todos os químicos e contaminantes antes de ser jogada de volta provavelmente quente ao mesmo Rio Macaé. Este processo está descrito neste documento, na figura 11 (página 14).

As emissões de metano e os COVs contribuem indiretamente para a formação da camada de ozônio troposférico, quando entram em reação com o óxido de nitrogênio (NOx) , também gerado nas operações com hidrocarbonetos. De acordo com esta nota técnica do IEMA (Instituto de Energia e Meio Ambiente, dezembro de 2021), Macaé já sofre com quantidades de ozônio acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

As emissões evidenciadas pela câmera não são algo que ocorre apenas em alguns momentos, mas são bastante constantes. Abaixo e aqui podemos ver as emissões de metano e compostos orgânicos voláteis liberadas da mesma UTE Marlin Azul em dezembro de 2024, cerca de um ano depois das imagens mostradas acima. Podemos notar que não se pode ver as emissões a simples vista, mas que são detectadas com a câmara especializada OGI.

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Earthworks tem várias perguntas que a companhia não está explicando claramente à população afetada, como por exemplo por que as empresas não dizem nada sobre estes contaminantes do ar? Por que o metano e os COVs não são analisados com o propósito de gerar políticas públicas que regulem as emissões destes gases nocivos em Macaé, ainda mais quando várias outras termelétricas estão para ser construídas ou entrar em operação? Por que as empresas não explicam em detalhe todo o processo de utilização e reposição de água dos rios? Qual o efeito da água quente e com tóxicos devolvida ao Rio Macaé, e que é usada por grande parte da população local, principalmente na periferia de Macaé? Quanta água se utiliza para as termelétricas existentes em Macaé, e qual já foi o impacto em termos de aumentar a escassez hídrica na região?

Há muito a questionar.