Projeto Raia Inconsistências, Sacrifício Ambiental e Racismo no Norte Fluminense
Por Thièrs Wilberger – Instituto Escola Tiê-Sangue
O Projeto Raia, apresentado como uma solução para o desenvolvimento energético do Brasil, esconde uma série de incongruências e aprofunda a histórica zona de sacrifício no Norte Fluminense, região marcada por décadas de degradação ambiental e abandono social. Com investimentos bilionários e promessas de progresso, o projeto, detalhado no site oficial (www.projetoraia.com.br), ignora os impactos desproporcionais sobre comunidades pobres e majoritariamente negras, evidenciando o racismo ambiental perpetuado pelo Estado. Além disso, coloca em xeque os compromissos climáticos do Brasil, agravando a crise ambiental em plena emergência planetária.
O projeto, Inconsistências e Promessas Vazias
Segundo informações disponíveis no Estudo de Impacto ambiental, o Projeto Raia fica no Bloco BM-C-33, que está localizado no pré-sal da bacia de Campos, a cerca de 175 quilômetros da costa Norte Fluminense, onde a lâmina d’água varia de 2.550 a 2.860 metros. O desenvolvimento do projeto compreenderá atividades marítimas (offshore) e terrestres (onshore), considerando o sistema de produção e escoamento, bem como as demais atividades relacionadas à produção de óleo e gás. Ainda de acordo com as informações do site, o sistema de produção será composto por uma unidade de produção flutuante de armazenamento e transferência do tipo FPSO, além de poços marítimos de produção de petróleo e gás e de injeção de gás (integrantes de outro processo de licenciamento ambiental), equipamentos submarinos e um gasoduto de exportação em trechos marítimo e terrestre. O escoamento do óleo produzido se dará por meio de navios aliviadores. O escoamento de gás natural processado será feito por meio de um gasoduto de exportação, com cerca de 200 quilômetros de trecho marítimo, desde a unidade de produção em águas ultra profundas até sua chegada em terra, no bairro Lagomar, localizado no município de Macaé (RJ). O trecho terrestre do gasoduto, de cerca de 4 quilômetros, deverá ser instalado em uma faixa de dutos existente em Macaé (RJ), onde já estão instalados os dutos Enchovão e Rota 2.
Esse projeto é vendido como um motor de crescimento econômico. No entanto, especialistas apontam falhas graves em seus estudos de impacto ambiental e social:
- Falta de transparência: As consultas públicas foram criticadas por não incluírem efetivamente as comunidades afetadas, muitas delas compostas por pescadores e quilombolas, sem respeitar a OIT 169 que assegura o direito dessas comunidades tradicionais como as Marisqueiras do Mangue de Pedra, na Comunidade Quilombola da Rasa, em Armação dos Búzios.
- Riscos ambientais subestimados: A região já sofre com os efeitos da exploração de petróleo pela Petrobras e pela presença de termelétricas poluentes. O projeto ampliaria a pressão sobre ecossistemas frágeis, como o delta do Rio Paraíba do Sul, a foz do rio Macaé e seu manguezal, o PARNA de Jurubatiba, PE Costa do Sol e a RESEX de Arraial do Cabo, além dos bancos de corais de águas profundas, baleias, golfinhos e tartarugas, que também podem virar alvo das petroleiras e seus navios aliviadores. A empresa Equinor tem histórico de acidentes ambientais relevantes no Mar do Norte e no Brasil, com registros de vazamentos e falhas operacionais que comprometem gravemente ecossistemas marinhos. Soma-se a isso o recente caso da Petrobras, que foi multada em aproximadamente R$ 36 milhões de reais pelo MPF por uma série de acidentes ocorridos entre 2007 e 2019, evidenciando a repetição de práticas e vícios de alto risco ambiental e social na exploração de petróleo e gás na Bacia de Campos.
- Benefícios questionáveis: Empregos prometidos são, em sua maioria, temporários e de baixa qualificação, enquanto os lucros são concentrados em grandes corporações. Anuciaram mais de 50 mil empregos, contudo o Estudo de Impacto ambiental oferece apenas 170 vagas diretas na fase de operação, demonstrando incongruências nas informações, típicas especulações oportunistas para recrutar a opinião pública em favor do empreendimento.
Queima de Gás e Violação do Acordo de Paris
Um dos pontos mais críticos do Projeto Raia é a intensificação da queima de gás natural na região de Macaé, prática altamente poluente que emite metano e CO₂ – gases de efeito estufa (GEE) com potencial de aquecimento global dezenas de vezes maior que o dióxido de carbono. Estima-se que a operação do sistema de produção do Projeto Raia, em sua plena atividade, acrescente à produção do Brasil 126 mil barris de óleo e 16 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia. agravando a crise climática. O Brasil é signatário do Acordo de Paris e assumiu compromissos públicos para reduzir suas emissões, com a implantação deste projeto o país quebra os compromissos do acordo e perde a oportunidade de liderar a transição energética justa. Estamos diante de mais um projeto que ignora as obrigações internacionais do país. Enquanto o mundo discute descarbonização, o Brasil insiste em ampliar infraestruturas fósseis, como se as mudanças climáticas não existissem.
Norte Fluminense: Zona de Sacrifício Consolidada
Há anos, o Norte Fluminense é tratado como área descartável para projetos poluentes. Desde a implantação do Porto do Açu – associado a despejos irregulares e conflitos fundiários – até a expansão descontrolada da indústria do petróleo, a população local paga o preço com saúde degradada e perda de territórios tradicionais.
O Projeto Raia segue essa lógica, priorizando interesses econômicos em detrimento de vidas humanas. É mais um capítulo na história de violação de direitos na região, nosso modo de vida está sendo exterminado, e o governo finge que não vê, somos cada vez mais reféns do petróleo e do gás e nossa cultura sendo massacrada aos poucos;
Racismo Ambiental e a Omissão do Estado: o caso do Lagomar
O termo racismo ambiental não é exagero: as comunidades mais impactadas são as mesmas marginalizadas historicamente, com pouca voz nas decisões políticas. Enquanto o governo federal e estadual acelera licenças para megaprojetos, apoiados pelas governanças municipais de olho nos royalties, não há políticas efetivas para mitigar danos ou garantir reparações. Os estudos de impactos socioambientais são na maioria das vezes superficiais e não atendem a todas as nuances da biodiversidade e das comunidades, gerando distorções e agravando problemas históricos.
O padrão é sempre o mesmo: escolhem áreas onde a população é pobre e negra, porque sabem que a resistência será menor. Desta vez os bairros Lagomar, Cabiúnas e Ingazeira, em Macaé serão mais uma vez atacados. Como se não bastasse a falta de infraestruturas básicas como saneamento e acesso a água potável, saúde e educação, a população agora sofrerá mais uma vez com a angustia de ser desapropriada. O território também é cortado por dutos de gás e petróleo operados pela Petrobras. A Resolução ANP nº 06/2011 determina que edificações em faixas de segurança de dutos são consideradas irregulares e devem ser removidas ou adequadas. Essas faixas, que variam de 15 a 30 metros de largura ao longo dos dutos, representam uma zona de restrição severa à permanência de moradias, por razões de segurança pública, que devem estar a uma distância mínima de 100 metros.
O processo de REURB-S, se não for conduzido com clareza e participação social, pode resultar em:
- Exclusão de moradores em áreas de conflito fundiário e ambiental, com base na “inviabilidade técnica ou legal da regularização”;
- Remoções forçadas ou sob disfarce legal, com o decreto servindo como instrumento indireto de desocupação de parte da comunidade;
- Desigualdade interna na concessão de títulos de propriedade, fragmentando laços comunitários e gerando insegurança jurídica.
O Decreto nº 060/2025 do prefeito de Macaé não garante titulação de propriedade, tampouco apresenta critérios claros para determinar a viabilidade ou não das áreas. Também não foram previstas instâncias formais de participação da comunidade, como audiências públicas ou consultas aos conselhos de meio ambiente e habitação.
Impacto Climático e o Futuro do Planeta
Além dos danos locais, o Projeto Raia contribui diretamente para o agravamento da crise climática global. A exploração de petróleo e gás e a expansão da infraestrutura fóssil vão na contramão dos esforços mundiais para limitar o aquecimento global a 1,5°C, como prevê o Acordo de Paris. Se o Brasil quer ser levado a sério nas negociações climáticas, não pode continuar aprovando projetos que perpetuam a dependência de combustíveis fósseis.
O Que Fica Evidente
O Projeto Raia não é um caso isolado, mas parte de um modelo de desenvolvimento que sacrifica pessoas em nome do lucro. Enquanto o discurso oficial fala em “progresso”, a realidade no Norte Fluminense é de doenças respiratórias, água contaminada e culturas tradicionais ameaçadas.
A pergunta que fica é: até quando vidas negras e pobres serão tratadas como dano colateral, e até quando o Brasil continuará violando seus próprios compromissos climáticos?
Para mais informações, acesse o Eia Rima no site do Projeto Raia: www.projetoraia.com.br
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